sexta-feira, 15 de julho de 2011

Suspensa portaria que permitia a prática do ato médico por outros profissionais.

A desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, suspendeu a Portaria 648/GM/2006, do Ministério da Saúde, que permitia a prática de atos privativos de médico por outros profissionais da saúde. De acordo com a desembargadora, a implementação da Portaria acarretaria o aumento de riscos de doenças e agravos à saúde pública, "pois profissionais sem a devida formação técnica e habilitação jurídica estarão exercendo ilegalmente a medicina", e completou: "os programas devem obedecer aos princípios básicos da Constituição, principalmente o do respeito à vida".
Em recente julgamento, a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu também que a Resolução nº 271/2002 do Conselho Federal de Farmácia ofende a ordem administrativa e a saúde pública, pois concedia aos enfermeiros autonomia na escolha e posologia dos medicamentos e permitia a solicitação de exames complementares.
Veja a decisão:
PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIAO
AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 2007.01.00.000126-2/DF

RELATOR (A) : DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO

AGRAVANTE: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA - CFM

PROCURADOR: FRANCISCO ANTONIO DE CAMARGO RODRIGUES

DE SOUZA E OUTROS(AS)

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL

PROCURADOR: HELIA MARIA DE OLIVEIRA BETTERO
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto da decisão, proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, ao fundamento de que tendo em vista a complexidade da matéria, que implicará evidente necessidade de dilação probatória, envolvendo inclusive provável perícia, indeferiu o pedido de antecipação da tutela (fl. 100).
Sustenta o agravante que a matéria debatida é exclusivamente de direito, prescindindo de dilação probatória. Afirma, ademais, que a Portaria 648/GM/2006, do Ministério da Saúde, permite a prática de atos privativos de médico por profissionais que não possuem graduação em medicina, e que se está a questionar, não a boa intenção do Ministério da Saúde, no sentido de implementar a política nacional de saúde, mas o fato de que a implementação da Portaria objurgada acarretará o flagrante aumento dos riscos de doenças e agravos à Saúde Pública, pois profissionais sem a devida formação técnica e habilitação jurídica estarão exercendo ilegalmente a medicina, motivos pelos quais, requer a atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, para que seja suspensa a Portaria 648/GM, do Ministério da Saúde, até o julgamento final da lide.
Determinada a intimação da agravada, esta apresentou contraminuta ao agravo de instrumento (fls. 107/114), em que asseverou, inicialmente, que não merece provimento o agravo, porquanto a agravante argüiu a possível ocorrência de lesão grave e de difícil reparação de forma genérica, o que impede a atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Ademais, afirmou serem inverossímeis os argumento do agravante, visto que, pela Portaria 648/GM, o Ministério da Saúde apenas promoveu a adequação das normas concernentes à política de atenção básica, valorizando a atuação de equipes multi-profissionais.
Outrossim, destaca que a consulta de enfermagem é atividade privativa do enfermeiro, e, em tal contexto, a prescrição de medicamentos é autorizada a tal profissional, nos termos do art. 11, da Lei 7.498/1986. Por fim, aduz a existência do periculum in mora inverso, pois, haveria, sim, configuração de dano irreparável à população, caso fosse concedido provimento jurisdicional que criasse obstáculos à execução da tão relevante Política Nacional de Atenção Básica, regulamentada pela referida Portaria 648/2006, tal como pretende a agravante.
Decido. Verificado o periculum in mora, recebo o presente agravo como de instrumento, nos termos da nova redação dada ao art. 522, do CPC, pela Lei 11.187/2005. Inicialmente, tenho que não merece prosperar a alegação da agravada no sentido de que foi indicado o periculum in mora pelo agravante de forma genérica, pois, entendo que tal requisito consiste na possibilidade de graves conseqüências que podem gerar à saúde pública, como um todo, a atuação de profissionais de saúde em atos privativos da medicina, sem habilitação para tal, o que, por si só, permite a análise do presente agravo de instrumento.

Verifico, outrossim, a verossimilhança das alegações do agravante.
Com efeito, em que pese à obrigatoriedade do Poder Público em oferecer à população acesso amplo e irrestrito à saúde, devem os programas levados a efeito para cumprir tal mister obedecer aos princípios básicos da Constituição, principalmente o do respeito à vida. Destarte, inobstante o brilhantismo e a necessidade dos profissionais de saúde no acompanhamento de tratamentos médicos, sobre tudo da classe dos enfermeiros, não gozam tais profissionais de liberdade para prescrição de medicamentos, diagnosticarem, enfim, solucionarem problemas de saúde eventualmente detectados, ante a falta de preparo e qualificação técnica para tais atividades, que, in casu, são privativos daqueles graduados em medicina.
Nessa linha de orientação, a Corte Especial deste Tribunal, em recente julgamento, por maioria, entendeu: CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE FARMACIA Nº 271/2002. ARTS. 3º, 4º, 5º E 6º. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO TÉCNICA PARA O EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES. LESÃO À SAÚDE PÚBLICA.
1. O Poder Público tem o dever de assegurar à população melhores condições de acesso a programas de saúde, bem como o de garantir a eficácia e a segurança desses tratamentos.

2. Ofende a ordem administrativa e a saúde pública os dispositivos da Resolução Nº 271/2002 do Conselho Federal de Farmácia - COFEN, que concede aos enfermeiros autonomia na escolha e posologia dos medicamentos (art. 3º), permite solicitar exames de rotina e complementares (art. 4º), autoriza a conhecer/intervir sobre os problemas/situações de saúde/doença (art. 5º) e a diagnosticar e solucionar problemas de saúde (art. 6º).

3. Na ponderação dos danos causados à saúde, a lesão decorrente da falta de qualificação profissional do enfermeiro transcende o prejuízo causado por possível redução no atendimento à população, tendo em vista que a falta de habilitação técnica para o exercício das aludidas atividades atenta diretamente contra a vida.

(AGSS 2004.01.00.035690-0/DF, Corte Especial, Relator Desembargador

Federal Aloísio Palmeira Lima - Presidente, DJ 08/04/2005,p.04).

Sem grifos no original

Ressalto, ademais, trecho do voto vogal do eminente Desembargador Federal Carlos Fernando Mathias, quando do julgado em referência, que, após discorrer sobre o dever do estado em oferecer à população serviço de saúde, tal como esculpido na Constituição Federal de 1988, concluiu, in verbis: Opulência verbal ou não, a Constituição garantiu a saúde a todos. Deve-se garantir, preservando - esse e um comando constitucional também - ações de serviço no acesso universal igualitário. Portanto, temos um serviço de saúde que é oferecido em nível mais elevado e outro que se nivela pelo rodapé - não estou fazendo uma crítica a qualquer política governamental, porque entendo que isso não é a função de magistrado, mas, flagrantemente, é o que está aí.

Mandasse para os pobres, para as periferias, ao invés de se mandar o que tem que ser mandado: onde precisam de um médico, vamos mandar um médico, precisam de um remédio, vamos mandar um remédio. Claro, que, às vezes, a prática é uma e a teoria pode ser outra. Temos no país, às vezes, uma verdadeira opulência verbal em confronto com a pobreza real. Mas, aqui, acho que a grave lesão à saúde, o risco é maior e transcende - não estou discutindo o problema dos enfermeiros. Na terra de Adalgiza Nery, e em respeito à memória de Luiza de Marilac, temos que ter o maior respeito pelos enfermeiros que prestam notável serviço, mas eles têm uma missão específica. Como poderia viver um hospital sem o serviço de enfermagem? Se dependêssemos só dos médicos, estaríamos liquidados.
Logo, eles têm um papel enorme. Mas, sobretudo, esta resolução 271, do Conselho Federal de Enfermagem parece-me ser abusiva. Por outro lado, ela invoca um parecer do Conselho Nacional de Educação que é de anteontem. Com as vênias devidas e com o maior respeito aos grandes profissionais de enfermagem que salvam os hospitais, entre outros profissionais da saúde, entendo que o risco maior estaria ao contrário. Houve uma época em que não se podia dar educação a todos, mas a Constituição mandava. Então, tínhamos o turno da fome, as crianças iam de 8:00 h às 11:00 h, depois de 11:00 h às 14:00 h, depois de 14:00 h às 17:00 h, enfim, não se dava nada e, no papel, estava se cumprindo a universalização do ensino. Já é tempo de acabarmos com os equívocos, garantindo, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças - medicina preventiva - o acesso universal e igualitário às ações e serviços por sua promoção, proteção e recuperação e à medicina em seu caráter assistencial.
A Rússia, por muito tempo, tinha muitos médicos que não eram muito mais do que os enfermeiros, mas a formação era específica para isso, tanto que a outra parte era clínica, e, por isso, o currículo era bem menor. Temos outros países com uma verdadeira fantasia sobre a medicina, até sobre milagre na cura de determinadas doenças. A solução não poderá ser por via de decreto, de legislação, o problema é muito mais profundo, mais complexo.

Com essas considerações, não quero falar mais, mas, já que estamos com o curso de latim, com tantos alunos aprendendo, tantos colegas matriculados, a advertência dos romanos: "Para quem for inteligente, é o bastante". Inteligenti sati.

Ante o exposto, com fulcro no art. 557, § 1º - A, do CPC e art. 30, XXVI, do RITRF, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, determinando a suspensão da portaria 648/2006, do Ministério da Saúde, tão-somente quanto à possibilidade de outros profissionais, que não sejam médicos legalmente habilitados para o exercício da medicina, realizar diagnóstico clínico, prescrever medicamentos, tratamentos médicos e requisição de exames. Comunique-se, com urgência, ao Juízo prolator da decisão agravada, para imediato cumprimento desta decisão.

Publique-se. Intime-se. Decorrido o prazo recursal, remetam-se os autos à Vara de Origem para que sejam apensados ao processo principal, com fulcro no art. 3º, da Resolução 600 -12, de 13/09/2004, do TRF -1ª Região.

Brasília/DF, 16 de fevereiro de 2007.
Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora
Fonte: Conselho Federal de Medicina (CFM)
Colaboração da Profa Ana Cristina Duque do Curso de Auditoria de Sistemas de Saúde - Estácio de Sá