sábado, 15 de maio de 2010
Medicina não é negócio!!!
Onde houver amor pela arte da medicina também. haverá amor pela
humanidade”. Com este aforismo, Hipócrates, o pai da medicina, cunhou o
destino do médico: viver para servir ao próximo, minimizando seu sofrimento
através do conhecimento científico e de princípios éticos.
Desde então, a prática médica baseia~se também na confiança estabelecida
através da relação médico-paciente. Entretanto, mudanças importantes vêm
levando estas bases ao risco de extinção: consultas rápidas e impessoais,
solicitação excessiva de exames, espera prolongada por procedimentos e
profissionais apressados distancaim os médicos dos clientes.
Os seguidores de Hipócrates queixam-se da precariedade dos hospitais, de
jornadas exaustivas de trabalho, de salários muito baixos e do valor
irrisório de uma consulta de convênio, equivalente ao de um corte de cabelo.
Além disso, os "gestores da saúde" interferem na escolha médica para a
melhor terapêutica.
Dentre as causas destes problemas destacam-se a massificação do
atendimento, o sucateamento dos hospitais públicos e sua má gestão, o
excessivo número de escolas médicas despreparadas e a liberdade excessiva
dos planos de saúde, que limitam os procedimentos médicos e determinam a
utilização de hospitais e medicamentos mais baratos. Grave, ainda, são
representantes de planos de saúde integrando os Conselhos de Medicina,
órgãos responsáveis pela fiscalização dos prestadores de serviços, incluindo
os próprios planos de saúde.
Estão à mesa os ingredientes para o insucesso do sistema de saúde. Os
prejudicados são o médico e o paciente, verdadeira razão de ser da medicina.
Sem médico ou sem paciente não existe medicina, o que não ocorre na ausência
de governantes, administradores ou planos de saúde.
Para recuperar sua autonomia, os médicos necessitariam rever a sua relação
com os planos de saúde, que deveriam atuar apenas como seguradoras,
reembolsando os honorários médicos aos associados. No setor público, a
revitalização dos hospitais e a digna remuneração profissional são de suma
importância.
Uma medicina pública maior e melhor resultaria também numa medicina privada
melhor, desinchando-a e promovendo justiça social, pois os procedimentos
médicos são cada vez mais caros, impossibilitando que planos de saúde
baratos ofereçam bom atendimento. Afinal, o sistema privado é, por
definição, suplementar ao público, e não seu substituto.
É difícil aceitar que, enquanto em países ricos como Inglaterra e França,
cerca de 95% dos habitantes utilizem serviços do setor público, no
Brasilesta parcela é de 75% - e vem sendo reduzida. A saúde representa um gasto
indesejável ou um investimento social? A resposta é de crucial importância
para a definição da política de saúde, a qual deveria revitalizar a relação
médico-paciente e recolocar o paciente no centro dos interesses do sistema.
A medicina não é um "negócio". A medicina é uma nobre profissão, com fortes
características humanitárias. Ao assumir sua responsabilidade, o médico deve
atuar com presteza e dedicação, mas também deve exigir o melhor para o seu
paciente. O "negócio saúde" engloba empresas públicas e privadas como
hospitais, indústrias e planos de saúde, entre outras.
Sendo o médico o principal conhecedor das necessidades do paciente, ele
deve lutar para que os personagens do "negócio saúde" não desvirtuem as suas
decisões.
Do contrário, a medicina idealizada Hipócrates, sempre tão admirada por
todos, deverá ser sepultada, dando lugar a uma nova profissão, na qual a
responsabilidade profissional e a relação médico-paciente serão lembradas
apenas como fatos históricos.
FÁBIO GUIMARÃES MIRANDA é médico-chefe do Centro de Tratamento Intensivo
Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro
Publicado no Jornal "O Globo" em 15/05/2010
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