2ª Turma nega habeas corpus a médico que cobrou por consulta em hospital conveniado ao SUS
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, por unanimidade de votos, Habeas Corpus (HC 97710) ao médico M.L.. P., de Santa Catarina, que foi condenado pela prática do crime de concussão (exigência de vantagem indevida por ocupante de cargo, emprego ou função pública) depois de cobrar R$ 100,00 de um paciente, a título de consulta, num hospital conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
O médico foi condenado a dois anos e um mês de reclusão, mas a pena restritiva de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos. No habeas corpus ao STF, a defesa do médico alegou ofensa ao princípio da legalidade e ao princípio do tempus regit actus . Isso porque tanto a sentença condenatória quanto o acórdão de apelação equipararam o médico a funcionário público, aplicando ao caso o disposto no artigo 327 do Código Penal (CP).
O artigo 327 do CP inserido no capítulo que trata dos crimes praticados por funcionário público , considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. A Lei nº 9.983/2000 inseriu um parágrafo neste artigo esclarecendo que se equipara a funcionário público quem trabalha em entidade paraestatal e em empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução típica da Administração Pública.
O relator do HC, ministro Eros Grau, rejeitou o argumento da defesa do médico de que a aplicação do preceito legal (parágrafo 1º do artigo 327) conduziria à absolvição do médico em razão da falta de comprovação de que havia contrato ou convênio firmado entre o município e o hospital. Eros Grau considerou nítida a condição de funcionário público do médico.
A Lei nº 9.983/2000, que introduziu esse parágrafo ao artigo 327 do CP, contemplou novas situações de equiparação do particular ao funcionário para fins penais. Assim passou-se a considerar funcionário público também o médico que trabalha num hospital prestador de serviços ao SUS. O médico preencheu o laudo para emissão de autorização de internação hospitalar, o que torna inequívoca a constatação de que ele prestava serviços ao SUS. Diante da nítida qualidade de funcionário público, denego a ordem, concluiu o ministro Eros Grau, sendo seguido pelos demais ministros que compõem a Turma.
NOTAS DA REDAÇAO
A saúde é direito público, como afirmação dos direitos sociais, constitucionalmente assegurados. O direito à saúde, em verdade, é desdobramento do direito fundamental à vida e, por consequência, pressuposto da prevalência da dignidade da pessoa humana, em conformidade ao entendimento de acordo com o qual, a pessoa humana tem direito não apenas a viver, mas a viver dignamente. De acordo com orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou outros agravos. Neste sentido, a obrigação que recai sobre o Estado é negativa, ou seja, ele deve garantir a não produção de riscos, ofertando uma vida saudável ao seu povo. Neste sentido, dispõe a Lei Maior:
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS SOCIAIS
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde , o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
O tema é especificado pela mesma CF/88 ao tratar da Ordem Social, estipulando no artigo 196 que:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Adotando o conceito recomendado pela OMS nossa Carta Política pretendeu promover a saúde no âmbito da coletividade, definindo dois parâmetros: na primeira parte do artigo supra transcrito (...que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...) consagrou a prevenção , na segunda parte a recuperação (...acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação...).
Surge dessa forma, o direito sanitário, ramo do direito público que disciplina as ações e serviços privados de interesse à saúde. Diz-se serviços privados porque houve abertura para a iniciativa privada e a permissão é constitucional, como se denota da redação do artigo 197, in verbis :
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Entretanto, a prestação feita por terceiros deveria ser subsidiária, pois a mesma Constituição dispõe sobre a sua própria política pública de direito à saúde, instituindo o SUS Sistema Único de Saúde, no art. 198 ao dispor que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede organizada, regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único . De acordo com a Lei 8.080/90, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes:
Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.
2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.
A previsão constitucional e sua regulamentação infraconstitucional sobre a matéria revelam a sua importância para o Estado. Neste sentido, o STF negou ordem ao HC impetrado por determinado médico que, fazendo atendimento em hospital conveniado ao SUS, cobrou de um paciente o valor de R$ 100,00 pela consulta.
De acordo com o Supremo, a conduta é enquadrada no tipo penal descritivo de concussão (Artigo 316, CP: Exigir para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida ), isso porque o médico, nessas condições, equiparava-se a funcionário público, uma vez que exercia, no momento da consulta, função que se enquadra da política pública de saúde, tendo, inclusive, preenchido laudo para emissão de autorização de internação hospitalar, o que tornou inequívoca a constatação de que ele prestava serviços ao SUS.
Autor: Áurea Maria Ferraz de Sousa
Foto: Google Imagem
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