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Completa-se neste ano o centenário da grande pandemia de gripe de 1918. Acredita-se que entre 50 e 100 milhões de pessoas morreram em decorrência dela, o que representa nada menos do que 5% da população mundial da época. Houve 500 milhões de indivíduos contaminados pelo vírus.
Um fato especialmente destacável foi a predileção da doença por tirar a vida de jovens adultos saudáveis, e não de crianças e idosos, que costumam ser os mais vulneráveis. Há quem a tenha qualificado como a maior pandemia da história. A catástrofe foi assunto de frequentes especulações ao longo dos últimos 100 anos. Os historiadores e os cientistas propuseram numerosas hipóteses sobre a sua origem, alcance e consequências. Por conseguinte, muitos de nós temos ideia equivocadas a respeito.
No Brasil o vírus vitimou em 1919 Rodrigues Alves, quinto presidente da República, no início de seu segundo mandato - ele não chegou a tomar posse. Por aqui estima-se que a gripe espanhola tenha matado em torno de 30.000 pessoas, trazido ao país por navios vindos de Portugal com doentes europeus.
Se retificarmos as 10 crenças detalhadas a seguir, poderemos entender melhor o que realmente aconteceu e aprender a prevenir e mitigar catástrofes semelhantes no futuro.
1. A pandemia começou na Espanha
Ninguém acredita que a chamada gripe espanhola tenha surgido na Espanha.
Possivelmente, a pandemia deve seu apelido à Primeira Guerra Mundial, que àquela altura entrava em seu último ano. Os principais países beligerantes faziam o possível para evitar qualquer estímulo moral aos seus inimigos, então na Alemanha, Áustria, França, Reino Unido e Estados Unidos a informação sobre o alcance da doença foi censurada. Já a Espanha, que era um país neutro no conflito, não precisava ocultá-la. Isso produziu a falsa impressão de que esse país europeu foi o mais castigado. Na verdade, a origem geográfica da gripe continua sendo motivo de debate, embora diversas hipóteses apontem para o leste da Ásia, a Europa e inclusive o Kansas.
2. A pandemia resultou de um supervírus
Acredita-se que entre 50 e 100 milhões de pessoas morreram na pandemia, o que representa 5% da população mundial da época. Houve 500 milhões de pessoas contaminadas
A gripe de 1918 se propagou rapidamente e matou 25 milhões de pessoas nos seis primeiros meses. Isto fez alguns temerem o fim da humanidade, além de alimentar por muito tempo a ideia de que se tratava de uma cepa viral particularmente letal.
Entretanto, estudos mais recentes indicam que o vírus, embora mais mortífero que outras cepas, não era basicamente diferente dos que causaram as epidemias de outros anos. A alta taxa de mortalidade pode ser atribuída em grande medida à aglomeração nos acampamentos militares e nos ambientes urbanos, bem como à má qualidade da alimentação e às condições sanitárias precárias durante a guerra. Atualmente, acredita-se que muitas mortes decorreram do desenvolvimento de pneumonias
bacterianas em indivíduos já debilitados pela gripe.
3. A terceira onda da pandemia foi a mais letal
Na verdade, a onda inicial de mortes pela gripe, na primeira metade de 1918, foi relativamente pequena. Foi na segunda onda, de outubro a dezembro do mesmo ano, que se registrou a maior taxa de mortalidade. A terceira fase, na primavera boreal de 1919, foi mais letal que a primeira, porém menos que a segunda.
Hoje em dia, os cientistas acreditam que o pronunciado aumento do número de vítimas mortais na segunda fase foi consequência das condições que favoreceram a proliferação de uma cepa mais mortífera. As pessoas com afecções mais leves ficaram em casa, mas os pacientes mais graves se amontoavam em hospitais e acampamentos, o que intensificou a transmissão de uma variedade mais letal do vírus.
4. O vírus matou a maioria das pessoas infectadas
A grande maioria de pessoas que contraíram a gripe em 1918 sobreviveu. Em geral, as taxas nacionais de mortalidade dos infectados não superaram 20%. Entretanto, esses índices variavam de um grupo para outro. Nos Estados Unidos, as mortes foram especialmente elevadas entre as populações indígenas, talvez devido às baixas taxas de exposição às antigas cepas do vírus. Em alguns casos, comunidades inteiras desapareceram.
Evidentemente, mesmo uma taxa de mortalidade de 20% supera bastante a de uma gripe convencional, que mata menos de 1% dos infectados.
5. Os tratamentos da época eram pouco eficazes contra a doença
Durante a gripe de 1918 não existiam terapias antivirais específicas. Hoje em dia, as coisas não mudaram muito, e a maioria dos tratamentos para a enfermidade se dirige a aliviar os sintomas, em vez de curar a doença.
Uma hipótese propõe que muitas mortes por gripe poderiam na verdade ser atribuídas à intoxicação por aspirina. Naquela época, as autoridades médicas recomendavam altas doses desse medicamento, de até 30 gramas por dia. Atualmente, considera-se que quatro gramas por dia são a maior dosagem segura. As doses excessivas de aspirina podem provocar muitos dos sintomas da pandemia, incluindo as hemorragias.
No entanto, aparentemente a taxa de mortalidade era igualmente elevada em lugares do mundo onde a aspirina não era de tão fácil acesso, então o debate continua.
6. A pandemia dominava o noticiário
Os funcionários dos serviços públicos de saúde, a polícia e os políticos tinham motivos para minimizar a gravidade da gripe de 1918, o que fez com que ela atraísse menos a atenção da imprensa. Havia o temor de que divulgá-la abertamente encorajasse os inimigos em época de guerra, e além disso existia o interesse em preservar a ordem pública e evitar o pânico.
Entretanto, as autoridades reagiram. No auge da pandemia, foram estabelecidas quarentenas em muitas cidades. Algumas foram obrigadas a restringir os serviços básicos, incluindo os da polícia e dos bombeiros.
7. A pandemia alterou os rumos da Primeira Guerra Mundial
É pouco provável que a gripe tenha mudado o desenlace da Primeira Guerra Mundial, porque os combatentes de ambos os lados do campo de batalha se contagiaram mais ou menos por igual.
Entretanto, há poucas dúvidas de que a guerra influiu profundamente no curso da pandemia. A concentração de milhões de soldados criou as condições ideais para o desenvolvimento de cepas virais mais agressivas e sua propagação pelo planeta.
8. A vacinação acabou com a pandemia
A vacinação contra a gripe tal como a conhecemos atualmente não era praticada em 1918 e, portanto, não desempenhou nenhum papel na extinção da pandemia. É possível que a exposição a cepas anteriores da gripe oferecesse um pouco de proteção. Por exemplo, os soldados que estavam no Exército havia vários anos apresentaram índices de mortalidade inferiores aos dos novos recrutas.
Além disso, é provável que o vírus, que mudava rapidamente, evoluísse com o tempo para cepas menos letais. É algo previsto nos modelos de seleção natural. Como as cepas altamente mortíferas acabam em muito pouco tempo com seu anfitrião, não podem se propagar com tanta facilidade como as menos letais.
9. Os genes do vírus nunca foram sequenciados
Em 2005, os pesquisadores anunciaram ter determinado o sequenciamento genético do vírus da gripe de 1918. O vírus foi recuperado do corpo de uma vítima da doença sepultada no permafrost do Alasca, e também de amostras de soldados norte-americanos abatidos pela doença naquela época.
Dois anos depois, observou-se que os macacos infectados com o vírus apresentavam os mesmos sintomas observados durante a pandemia. Os estudos indicam que os animais morreram quando seus sistemas imunológicos reagiram excessivamente ao vírus, no que se conhece como uma “tempestade de citosinas”. Atualmente, os cientistas acreditam que, em 1918, uma reação excessiva do sistema imunológica similar a essa contribuiu para os altos índices de mortalidade entre adultos jovens e de resto saudáveis.
10. A pandemia de 1918 oferece lições para 2018
É habitual que a cada poucas décadas ocorram epidemias graves de gripe. Os especialistas acreditam que não é o caso de perguntar se haverá uma próxima, e sim quando ela ocorrerá.
Embora pouca gente se recorde da grande pandemia de 1918, podemos continuar aprendendo com ela – da importância de lavar as mãos e se vacinar até o potencial dos medicamentos antivirais. Hoje em dia sabemos melhor como isolar e tratar um grande número de pacientes doentes e agonizantes, e podemos receitar antibióticos, os quais não existiam em 1918, para combater as infecções bacterianas secundárias. Talvez a maior esperança resida em aprimorar a nutrição, as condições sanitárias e o nível de vida, que melhoram a capacidade dos pacientes de resistirem à infecção.
No futuro próximo, as epidemias de gripe continuarão sendo um componente anual do ritmo da existência humana. Como sociedade, só podemos esperar que tenhamos aprendido suficientemente as lições da pandemia para dominar outra catástrofe mundial como aquela.
Autor: Aroldo Moraes Junior
Fonte: Sociedade Brasileira de História da Medicina
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