domingo, 1 de março de 2009

COMPARAÇÃO INTERNACIONAL DE GASTOS GOVERNAMENTAIS EM SAÚDE: O BRASIL APLICA MAL A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A UNIVERSALIZAÇÃO DA SAÚDE?

Recentemente foram feitas algumas avaliações quanto à eficiência dos gastos governamentais brasileiros com saúde, educação e previdência, baseadas em comparações internacionais com países como China, Coréia do Sul e Estados Unidos. Em linhas gerais essas análises levam em conta o seguinte fator:
O Brasil gasta três vezes mais que a China per capita na área de saúde, mas tem indicadores semelhantes de mortalidade infantil e expectativa de vida.
Essas diferenças entre indicadores sociais vis-à-vis os gastos sociais governamentais no Brasil em relação a outros países seriam conseqüência da ineficiência dos gastos do governo brasileiro. Vale observar que no caso das avaliações das áreas de educação e saúde nem sempre fica claro qual o tipo de gasto que está sendo considerado: gasto total (público e privado) ou apenas público, em dólares correntes ou ajustados pela paridade do poder de compra.
Esta nota visa discutir as informações apresentadas acima, complementando-as com a análise de um conjunto maior de países e de indicadores. No que diz respeito aos gastos, a variável relevante para a análise é a despesa do governo geral em proporção do PIB e per capita.
Os resultados de exercícios de comparação internacional devem ser avaliados com extrema cautela. O principal problema é a comparabilidade dos dados de gastos governamentais. Para fins dessa nota, utilizou-se a base de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Banco Mundial e da OCDE. Essas instituições efetuam ajustes nas informações oficiais fornecidas pelos governos de modo a permitir que os dados sejam minimamente comparáveis. Ainda assim, ressaltam que a falta de consistência da contabilidade e das estatísticas públicas da maioria dos países em desenvolvimento torna difícil uma comparação internacional dos gastos governamentais, principalmente em países federados como o Brasil, em que os governos locais são responsáveis por uma parcela expressiva dos gastos com saúde e educação. Uma outra limitação dessas bases de dados é que não dispõem de informações recentes. A maior parte dos dados é de 2002.
Por fim, há pelo menos duas questões que devem ser ponderadas no exame da eficiência dos gastos sociais. Em primeiro lugar, os indicadores sociais não são influenciados apenas pelos gastos públicos, mas pelos gastos totais, ou seja, a soma dos gastos públicos e privados. Pode haver situações em que os indicadores sociais de um determinado país são melhores porque seus gastos privados são mais expressivos e eficientes, enquanto que os seus gastos públicos são baixos. Os países de renda per capita mais elevada possuem melhores indicadores de desenvolvimento social em relação aos países de renda mais baixa, não necessariamente devido às suas despesas públicas serem mais eficientes, mas possivelmente porque os seus gastos sociais totais, que incluem os gastos privados, são mais expressivos. Em segundo lugar, deve-se ter presente que o impacto das políticas sociais se dá em longo prazo. Uma análise da eficiência dos gastos sociais deve, portanto, se basear na avaliação da evolução ao longo do tempo dos indicadores sociais e não apenas na comparação entre países do seu nível em um determinado período. Um país pode, por exemplo, ter elevado à proporção dos gastos públicos em um determinado setor social e, ao mesmo tempo, ter para esse setor indicadores ruins, que, no entanto , estão melhorando rapidamente ao longo do tempo. Em uma situação desse tipo não se pode afirmar que o gasto público é ineficiente ou ineficaz.
Segundo dados da OMS, os gastos do governo geral com saúde no Brasil são elevados quando comparados com os demais países em desenvolvimento. Em 2002, esses gastos totalizaram 3,6% do PIB, 0,3 ponto percentual do PIB superiores à média da América Latina. São menores apenas que os gastos da Argentina (4,5% do PIB). A diferença é ainda maior quando comparado com as despesas governamentais dos países asiáticos selecionados. Em relação à China, por exemplo, os gastos do governo geral com saúde são quase duas vezes maiores.
Um indicador largamente utilizado para a comparação internacional de despesas com saúde é o gasto per capita. O gasto do governo geral per capita em dólares correntes de 2002 é cerca de 5 vezes maior do que o da China, aproximadamente 16 vezes maior do que o da Índia e ligeiramente abaixo da média da América Latina. No entanto, o gasto per capita em dólares correntes é muito afetado por variações cambiais. Por isso, um parâmetro mais adequado é o gasto per capita ajustado pela paridade do poder de compra que atenua os problemas relacionados ao câmbio e permite uma comparação mais adequada entre os países. Nesse caso, o gasto per capita do governo geral do Brasil é 3 vezes maior que o da China, 14 vezes maior que o da Índia e acima da média da América Latina.
Os gastos públicos brasileiros com saúde são elevados em relação aos chineses, mas uma comparação da situação atual e da evolução dos principais indicadores de saúde não permite concluir que os gastos no Brasil são ineficientes em relação aos da China. A taxa de mortalidade infantil e a expectativa de vida ao nascer em ambos países são equivalentes, no entanto o desenvolvimento desses indicadores nos últimos 12 anos deixa a desejar na China, que obteve a pior evolução entre os países apresentados na tabela 1. Enquanto a mortalidade infantil caiu em media 2,8% ao ano no Brasil, na China ela caiu 1,8% ao ano. A expectativa de vida, por sua vez, cresceu a uma taxa média 0,3% ao ano no Brasil e 0,2% na China. A taxa de vacinação de crianças até dois anos, que está diretamente relacionada às despesas e políticas públicas, é de quase 100% no Brasil, enquanto na China ela está abaixo dos 90%. Em 1990 ocorria o inverso: na China a imunização de crianças abaixo dos 2 anos era praticamente universal e no Brasil 78% das crianças eram vacinadas contra sarampo e 86% contra difteria, coqueluche e tétano (tríplice). Os demais indicadores (médicos e leitos hospitalares por habitante e acesso a saneamento e água potável) apontam também para uma situação atual da saúde melhor no Brasil, sendo que sua evolução desde 1990 foi mais favorável na China, com exceção do número de médicos por habitante.
O gasto per capita ajustado pela paridade do poder de compra traz algumas dificuldades para fins de comparação entre países de níveis de renda per capita muito distintos, como, por exemplo, Brasil e China ou México e Estados Unidos. A principal delas é a sua forte correlação com o nível de renda. O gasto per capita com saúde tende a ser mais alto nos países de renda per capita mais elevada. Nesse caso, é difícil dizer em que medida a diferença entre os gastos governamentais deve-se à eficiência ou ao nível de renda, que influencia os custos médios, entre os quais os salários pagos aos funcionários de saúde.
Uma comparação mais adequada é aquela realizada entre países de renda per capita equivalente e de características econômicas e sociais semelhantes como é o caso dos países da América Latina. Os gastos públicos de saúde em percentual do PIB e per capita no Brasil são superiores à média da América Latina, enquanto que seus indicadores de saúde são similares à média da região, com a notável exceção das taxas de vacinação. A diferença entre gastos públicos e indicadores de saúde é ainda mais expressiva quando se compara o Brasil com o Chile. Os gastos do governo chileno com saúde são menores que os brasileiros em percentual do PIB e similares em termos per capita. Entretanto, seus indicadores de saúde tiveram uma evolução mais favorável desde 1990 sendo, atualmente, substancialmente melhor que os do Brasil e comparáveis aos da Coréia do Sul. Não é possível afirmar, com base apenas nas comparações feitas acima que essas diferenças devam-se a problemas de eficiência dos gastos públicos brasileiros, embora seja provável que a ineficiência tenha um papel importante na explicação. Outros fatores influenciam as condições gerais de saúde e devem ser considerados em uma análise de eficiência das despesas públicas. O principal deles é o gasto total. Os indicadores de saúde chilenos podem ser melhores que os brasileiros porque os gastos privados são ou maiores, ou mais eficientes ou ambos. O nível da renda também tem um peso importante. As populações de países com renda mais elevada têm melhores condições de saúde do que as de países de renda mais baixa, entre outras razões porque o gasto privado com saúde é maior e possivelmente mais eficiente. Um terceiro fator é que os países com melhor desempenho podem ter uma política em curso para o setor por mais tempo do que o Brasil. O SUS é relativamente recente. Foi criado pela Constituição de 1988, mas implementado ao longo da década de 90. As políticas de saúde surtem efeito a longo prazo. Portanto, os resultados das políticas brasileiras podem ainda não estar plenamente refletidos nos indicadores. Concluímos que os gastos públicos em saúde chegariam até o final da fila dos ambulatórios, hospitais, laboratórios e outros estabelecimentos e programas públicos se suas contas fossem devidamente auditadas, mas o pouco número de Auditores em Sistemas de Saúde em exercício contribui para que os “ralos” do erário publico encontre vieses na sua aplicação e finalidade maior, descrita em nossa Carta Magna: “A saúde é um direito de todos e um dever do Estado”.

3 comentários:

  1. Primeira!

    Interessante o escrito, o primeiro de muitos desse mais novo membro da "blogosfera".

    Sucesso no blog ;)

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Tb acredito que um maior número de Auditores ajudaria na fiscalização desses gastos e na transparência das aplicações... porém nossa realidade é outra, infelizmente a profissão de Auditor não é reconhecida, talvez propositalmente...
    Sucesso Aroldo!

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