sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A judicialização das Políticas Públicas de saúde

                                                                  Foto: Google Imagem

Resumo: O presente artigo objetiva analisar o fenômeno da judicialização das políticas públicas de saúde no Brasil, naquilo que diz respeito aos limites do ativismo judicial e ao atendimento dos direitos fundamentais do homem. Considera-se, ainda, o direito à saúde posto na Constituição Federal de 1988.

Palavras-Chave: Judicialização; Políticas Públicas; Direitos Fundamentais; Constituição Federal.

Abstract: This article aims to analyze the phenomenon of legalization of public health policies in Brazil, in what concerns the limits of judicial activism and the observance of fundamental human rights. It was also the right to health post in the 1988 Constitution.

Keywords: Legalization, Public Policy Fundamental Rights, the Federal Constitution.

INTRODUÇÃO

No que diz respeito ao direito à saúde no Brasil, sabe-se que a Constituição da República inseriu um enorme avanço sobre o tema. A constitucionalização dos direitos sociais encontra guarida na elevação dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

De tal maneira, somente na Constituição de 1988, o direito à saúde foi elevado à condição de direito fundamental do homem, constituindo um dever do Estado de prover condições imprescindíveis ao seu pleno exercício.

Particularmente, com a edição do art. 196 da Constituição da República, à saúde foram relacionados os conceitos de universalidade, integralidade e isonomia, constituindo a saúde como direito de todos e dever do Estado.

Contudo, nos últimos anos, o Poder Judiciário vem recebendo demandas motivadas pelo descumprimento de políticas públicas de saúde ou pela omissão dos entes estatais. Expondo uma discussão sobre os limites do controle do Judiciário nos outros poderes do Estado: Legislativo e Executivo.

1 O DIREITO A SÁUDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A elevação do direito à saúde como direito fundamental do homem está relacionada com a própria ideia de Estado Constitucional nascida no Pós-Segunda Guerra Mundial. No Brasil, tal como muitos outros países da América Latina, o neoconstitucionalismo es­tabeleceu as bases para o desenvolvimento do Estado de bem-estar social a partir da sofisticação da implementação das políticas públicas, da prestação dos serviços e da universalização dos direitos sociais. (LIMBERGER; SALDANHA, 2011)

A Constituição de 1988 modificou a estrutura até então vigente, de maneira que o Estado deixou de atender apenas os contribuintes do sistema previdenciário Ins­tituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), ou seja, abandonou o critério contributivo como forma de prestação de serviços de saúde.

O direito à saúde se encontra dentro do rol de direitos fundamentais trazido na Constituição Federal de 1988 e, conforme Nascimento (2008, p. 907), “é um rótulo que exprime um complexo de direitos individuais e transindividuais, semelhante, por exemplo, ao direito de acesso à justiça”.

O referido autor ainda fala que tal complexo de direitos abarca o direito à promoção, à prevenção e à recuperação, sendo este último “um direito essencialmente individual a prestações afirmativas exercido em face do executivo e da sociedade, contemplando o direito de exigir meios de diagnóstico e de tratamento para os males que atingem os seus titulares” (NASCIMENTO, 2008, p. 907).

Nessa senda, a carta magna reformulou a saúde no Brasil, instituindo-a como direito universal, passando a ser dever constitucional de todas as esferas de governo. Desse modo, o conceito de saúde foi alargado e vinculado às políticas sociais e econômicas. (PAULUS JÚNIOR; CORDONI JÚNIOR, 2006)

O artigo 196 da Constituição estabelece explicitamente a universalização deste direito, reforçando o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, correspondendo a um dever do Estado – União, Estado, Distrito Federal e Municípios.

Tal dever se concretiza nas prestações de saúde, que são concebidas através de políticas sociais e econômicas que efetivem a execução de ações e serviços de saúde, não se resumindo a medidas curativas, mas sim aliadas à medicina preventiva.

Finalmente, para que não se tenha o direito reconhecido como programático apenas, a norma aperfeiçoa o direito, consignando-lhe garantia. É isso que está previsto: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo (...)” – o direito é garantido por aquelas políticas indicadas, que hão de ser estabelecidas, sob pena de omissão inconstitucional, até porque os meios financeiros para o cumprimento do dever do Estado, no caso, são arrecadados da sociedade, dos empregadores e empresas, dos trabalhadores e de outras fontes, consoante já discutimos antes. (SILVA, 2007, p. 768)

Nos termos da lei, as ações e serviços de saúde ficam inteiramente sujeitos a regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público. No que toca a execução dessas ações, estas devem ser feitas pela Administração direta – Ministério da Saúde e Secretarias Estaduais e Municipais – ou através de terceiros, que correspondem aos entes delegados.

O modelo idealizado na Constituição Federal é constituído pelo SUS – Sistema Único de Saúde – integrado por uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde. O Poder Público deve promover a saúde através de instituições e órgãos públicos federais, estaduais e municipais, regendo-se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, do atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, e o princípio da participação da comunidade.

No que tange o financiamento do SUS, a norma constitucional prevê que o orçamento da Seguridade Social destinará ao Sistema Único de Saúde os recursos necessários para realização de suas atividades, respeitando a previsão proposta pela direção nacional do órgão, com participação dos entes da assistência social e previdência social.

2 A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

Com a predominância dos princípios liberais adotados pelo Estado capitalista, é possível compreender a posição tomada, no século XIX, sobre a questão social, que foi de sobremaneira repressiva e apenas congregou algumas demandas da classe trabalhadora, criando leis que atendiam reivindicações tímidas e parciais na condição das vidas da classe, sem atingir, assim, o ponto central da questão social. (ROSSETTI; BOSCHETTI, 2007)

Dessa forma, as primeiras ações de políticas sociais são compreendidas como continuidade entre o Estado liberal e o Estado social, sem tratamento linear, mas é válido ressaltar o ponto em comum entre ambos: o reconhecimento de direitos sem refutar os fundamentos do capitalismo.

A mobilização e a organização da classe trabalhadora foram determinantes para a mudança da natureza do Estado liberal no final do século XIX e início do século XX. Pautada na luta pela emancipação humana, ma socialização da riqueza e na instituição de uma sociabilidade não capitalista, a classe trabalhadora conseguiu assegurar importantes conquistas na dimensão dos direitos políticos, como o direito de voto, de organização em sindicatos e partidos, de livre expressão e manifestação. (BARBALET apud ROSSETTI; BOSCHETTI, 2007, p. 63-64)

Tal mudança de paradigma ficou mais evidente e delimitada no Brasil com a Constituição de 1988, que fortaleceu o Poder Judiciário e o Ministério Público para a efetivação dos direitos fundamentais e determinou formas de proteção a estes direitos contra modificações legislativas que tentam a reduzi-los ou retirá-los do rol de direitos assegurados aos cidadãos. Tal mecanismo de proteção foi concretizado por meio das cláusulas pétreas.

A carência de políticas públicas, o fortalecimento do Poder Judiciário e do amparo constitucional dos direitos fundamentais deu impulso ao crescimento do fenômeno conhecido como judicialização da política, ou seja, a forte atuação do judiciário na concretização dos direitos sociais.

Diversos são os motivos que ensejam o fenômeno da “judicialização das políticas públicas de saúde”, dentre eles, é possível destacar a carência de políticas públicas nesta área, orçamentos escassos e a crescente desigualdade social.

Entes do Poder Judiciário se voltaram para a discussão sobre a judicialização da saúde, de maneira a estabelecer os limites para o deferimento dos tratamentos médicos pela via judicial e balizar a sua atuação, procurando adequá-la à concretização do direito à saúde dos autores das demandas judiciais, e à necessidade de continuidade do Sistema Único de Saúde.

Sobre o assunto, Barroso (2008, p. 890) expõe:

A jurisprudência acerca do direito a saúde e ao fornecimento de medicamentos é um exemplo emblemático do que se vem afirmar. As normas constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de um documento estritamente político, mera convocação a atuação do Legislativo e do Executivo, e passaram a desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por juízes e tribunais. Nesse ambiente, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em particular, converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela judicial especifica. A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações a Administração Pública para que forneça gratuitamente medicamentos em uma variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação universalizada do serviço de saúde.

A discussão é conflituosa e perpassa por caminhos ainda muito nebulosos. Segundo o CNJ (BRASIL, 2011), até o dia 29 de abril de 2011 tramitavam no Judiciário brasileiro 240.980 demandas judiciais de saúde. A imensa maioria destes processos tratava de demandas individuais que reivindicam na Justiça o acesso a medicamentos e procedimentos médicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), assim como vagas em hospitais públicos e ações contra usuários de planos privados de saúde junto ao setor.

O caso expõe o Judiciário como núcleo de controle e regulação de conduta de ações políticas, quando fiscaliza pelo viés ético o exercício dos outros poderes. Assiste-se hoje um aumento de decisões extravagantes, que condenam a Administração o custeio de tratamentos de alto custo, inacessíveis, medicamentos experimentais ou de eficácia não comprovada. De outro lado, observa-se que não há um critério consistente para definir a esfera estatal – União, Estados e Município – que deve fornecer cada tipo de medicamento. Desse modo, as decisões implicam a sobrecarrega de alguns entes estatais, causada por gastos imprevistos e vultuosos, acarretando o desequilíbrio do orçamento previsto para programas institucionalizados.

Diante disso, os excessos e incongruências dificultam a implementação e continuidade das políticas de saúde pública, desarranjando a atividade administrativa e dificultando a destinação de recursos públicos.

Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal reconheceu como dever do Estado, o fornecimento gratuito de medicamentos a portadores de HIV, sob o argumento de que os “poderes públicos devem praticar políticas sociais e econômicas que visem aos objetivos proclamados no art. 196 da CF, invocando precedentes consolidados da Corte”[1].

Porém, o entendimento mais relevante sobre a intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas foi dado pelo STF, na ADPF 45-9[2], por decisão monocrática do Ministro Celso de Mello, que assim se posicionou:

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial, a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIElRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). […]

Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa –, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. […]

Em suma, o Ministro delimitou requisitos necessários para que o Judiciário interfira no controle das políticas públicas, quais sejam: 1) mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; 2) razoabilidade da demanda individual/ social em face do Poder Público; 3) disponibilidade financeira do Estado para efetivar as prestações positivas demandadas.

Torres (1990, p. 69-70) considerou o mínimo existencial como um direito às condições mínimas de existência humana digna, a partir do agir positivo do Estado: “A dignidade humana e as condições materiais de existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados”.

E tal como Bobbio (2004, p. 23) prenunciou: “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”.

Sobre a razoabilidade invocada pelo STF, Grinover (2010, p. 19) explica que este princípio mede-se pelo princípio da proporcionalidade, que significa, em última análise, “a busca do justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados”.

Sobre o assunto, Canotilho (1996, p. 360) sustenta:

O princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção (Zielkonformität, Zwecktauglichkeit). Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. […]

No que toca a disponibilidade de recursos financeiros para a concretização da demanda requerida, trata-se aqui da “reserva do possível”. Justificativa mais comum da omissão da Administração Pública na implementação de política pública resultante de demanda judicial.

A reserva do possível traduzida como insuficiência de recursos, também denominada reserva do financeiramente possível, portanto, tem aptidão de afastar a intervenção do Poder Judiciário na efetivação de direitos fundamentais apenas na hipótese de comprovação de ausência de recursos orçamentários suficientes para tanto. Tal viés da teoria da reserva do possível é importante e deve ser entendido com o objetivo de vincular o direito à economia, no sentido de que as necessidades – mesmo aquelas relacionadas aos direitos sociais – são ilimitadas e os recursos são escassos. Esse postulado, fundamento da ciência econômica, deve ser levado em conta tanto na definição das políticas públicas quanto na decisão judicial no caso concreto. Entretanto, nesta última hipótese, a insuficiência de recursos deve ser comprovada. (MÂNICA, 2007, p. 15)

O tema é bastante divergente, e, por isso, é alvo de inúmeras críticas da doutrina e dos operadores do direito, sobretudo porque é excessiva a interferência do judiciário nos outros poderes.

A crítica mais frequente ao ativismo judicial se encontra no argumento de a norma constitucional aplicável ser uma norma programática[3], vez que o art. 196 da Constituição da República fala que a garantia do direito a saúde se dará por meio de políticas sociais e econômicas, não por meio de decisões judiciais.

A norma do art. 196 é perfeita, porque estabelece explicitamente uma relação jurídica constitucional em que, de um lado, se acham o direito que ela confere, pela cláusula “a saúde é direito de todos”, assim como os sujeitos desse direito, expressos pelo signo “todos”, que é signo de universalização, mas com destinação precisa aos brasileiros e estrangeiros residentes – aliás, a norma reforça esse sentido ao prever o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde –, e, de outro lado, a obrigação correspondente, na cláusula “a saúde é dever do Estado”, compreendendo aqui a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade da Administração indireta. O dever se cumpre pelas prestações de saúde, que, por sua vez, se concretizam mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos – políticas, essas, que, por seu turno se efetivam pela execução de ações e serviços de saúde, não apenas visando à cura de doenças. (SILVA, 2007, p. 768)

Outra corrente faz uma crítica ao entendimento de conceber a questão apenas como de interpretação de preceitos constitucionais. Entende-se que conferir ao Judiciário a prerrogativa de controlar a concessão do direito à saúde ocasiona um problema de desenho institucional. Sobre tal vertente, Barroso (2008, p. 23) destaca que: “pode-se entender que a melhor forma de otimizar a eficiência dos gastos públicos com saúde e conferir a competência para tomar decisões nesse campo ao Poder Executivo, que possui visão global tanto dos recursos disponíveis quanto das necessidades a serem supridas”.

A terceira crítica muito frequente ao ativismo judicial defende que essa questão está intimamente ligada à legitimidade democrática. Segundo este entendimento, seria uma impropriedade retirar daqueles que detém a legitimidade do voto popular o direito de definir o modo de como os recursos públicos devem ser gastos. Portanto, o ideal seria dar ao povo a prerrogativa de discussão e decisão sobre o que deve ser priorizado pelo poder público.

O doutrinador Wolfgang (2007, p. 12-13) sintetiza este argumento dizendo:

A expressiva maioria dos argumentos contrários ao reconhecimento de um direito subjetivo individual à saúde como prestação (assim como ocorre com os demais direitos sociais prestacionais, tais como educação, assistência social, moradia, etc.) prende-se ao fato de que se cuida de direito que, por sua dimensão econômica, implica alocação de recursos materiais e humanos, encontrando-se, por esta razão, na dependência da efetiva disponibilidade destes recursos, estando, portanto, submetidos a uma reserva do possível. Com base nesta premissa e considerando que se cuida de recursos públicos, argumenta-se, ainda, que é apenas o legislador democraticamente legitimado quem possui competência para decidir sobre a afetação destes recursos, falando-se, neste contexto, de um princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária, diretamente deduzido do princípio democrático e vinculado, por igual, ao princípio da separação de poderes.

Outro argumento contra ao controle judicial das políticas públicas diz respeito à reserva do possível. Que, como dito anteriormente, finca sua fundamentação na escassez de recursos públicos para o cumprimento de decisões judiciais. De fato, os recursos chegam para a implementação de políticas sociais devidamente direcionados, e, portanto, para que sejam atendidas as determinações do Judiciário é preciso deslocar recursos de programas institucionalizados, quando isto é possível, o que acarreta uma desorganização da Administração Pública.

As políticas públicas de saúde devem ser formuladas para diminuir as desigualdades sociais, entretanto, quando o Judiciário atrai para si o papel de implementador de tais políticas, atende apenas aqueles que têm acesso qualificado à justiça, que conhecem seus direitos e possuem condições de arcas com os custos de um processo.

A discussão é bastante delicada, e comporta seguidores e críticos. Porém, o ativismo judicial é consequência da precarização do sistema de saúde brasileiro, definidos por diversos fatores que nascem do distanciamento entre a formulação e a implementação das políticas sociais na área da saúde. Para tanto, é necessário que haja um alinhamento dos poderes estatais para priorizar políticas de proteção e defesa da saúde, com iniciativas preventivas e a ampliação do público alvo de tais políticas sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a inserção do rol de direitos fundamentais na Constituição da República, a efetivação do direito à saúde se tornou bem menos precária do que em outros momentos históricos que o Brasil vivenciou.

Sendo assim, a Constituição suplantou a tendência de reconhecimento de direitos individuais, a partir de uma democracia de conteúdo social, assumindo na sua essência a integração harmônica entre as categorias de direitos fundamentais, como reflexos dos direitos sociais.

Com o fortalecimento do judiciário e a formalização dos direitos sociais, o a judicialização das políticas cresceu de forma vertiginosa, vez que há uma carência de esforços para a concretização de políticas públicas efetivadoras dos direitos fundamentais.

A efetivação de direitos inerentes à saúde pelo judiciário pode acarretar um desequilíbrio no orçamento público, ou mesmo, concentrar os gastos públicos nas camadas sociais com melhor poder aquisitivo, vez que estas também concentram o acesso privilegiado ao judiciário.

Diante da problematização do tema, o que resta concluir é que limites devem ser ponderados na análise das demandas judiciais relacionadas aos diretos sociais.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel (coords.). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Brasil tem mais de 240 mil processos na área de Saúde. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14096:brasil-tem-mais-de-240-mil-processos-na-area-de-saúde&c.... Acesso em: 03. Jun. 2012.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 1996.

LIMBERGER, Têmis; SALDANHA, Jânia Maria Lopes. A judicialização da política pública e o direito à saúde: a construção de critérios judiciais e a contribuição do supremo tribunal federal. Espaço Jurídico. Joaçaba. V. 12, n. 2, p. 283-302, jul./dez. 2011. Disponível em: http://editora.unoesc. Edu. Br/index. Php/espacojuridico/article/view/1325/668. Acesso em: 02. Jun. 2012.

MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Pública. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007.

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. Concretizando a Utopia: Problemas na Efetivação do Direito a uma Vida Saudável. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel (coords.). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

PAULUS JÚNIOR, Aylton; CORDONI JÚNIOR, Luiz. Políticas públicas de saúde no Brasil. Revista Espaço para a Saúde. Londrina, v.8, n.1, p.13-19, dez.2006. Disponível em: http://www.ccs.uel.br/espacoparasaude/v8n1/v8n1_artigo_3.pdf. Acesso em: 10. Jul. 2012.

ROSSETTI, Eliane Behring; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2007.

SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público. Nº. 11. Setembro/outubro/novembro, 2007. Disponível em: http://www.direitodoestado. Com/revista/RERE-11-SETEMBRO-2007-INGO%20SARLET. Pdf. Acesso em: 04. Jun. 2012.

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_____. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6a ed. Malheiros: São Paulo, 2003

TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, n. 42, p. 69/70, jul.-set. 1990.

[1] RE 271.286 e AgRg 271.286.

[2] ADPF 45-9, Supremo Tribunal Federal. Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 04/05/2004.

[3] Segundo José Afonso da Silva (2003, p. 138), normas programáticas são aquelas “através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”.

Por Karen Barros - 29/01/2015

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